sexta-feira, 31 de julho de 2009

Zeca Afonso, 80 anos

Traz Outro Amigo Também
(José Afonso)

Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja benvindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também


Com a música e o ensino, José Afonso traçou na sua vida um mapa geográfico pessoal, de Faro a Coimbra, de Belmonte a Setúbal, com ponto de partida em Aveiro e passagem marcante por África.

José Afonso, um dos mais importantes figuras da música portuguesa, faria 80 anos no próximo domingo, mas morreu em 1987 em Setúbal, cidade derradeira de um precurso que tinha começado em 1929 em Aveiro, onde nasceu.

Amparado por uma rede familiar e de afectos, José Afonso passou a infância entre dois hemisférios, em viagem, em Aveiro e Belmonte com os tios, e as então colónias africanas de Angola e Moçambique, com os pais.

Durante a década de trinta fez os primeiros estudos em África, um continente que lhe marcou o rumo dos passos anos depois, quando em meados de 1960 deu aulas em Moçambique.

Em 1940, o mundo vivia a segunda Guerra Mundial e José Afonso, com 11 anos, rumava a Coimbra, cidade epicentro da adolescência e palco das serenatas, no Orfeão e na Tuna Académica.

Ainda a concluir o curso na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, José Afonso dedica-se então à docência, a partir de finais dos anos 1950, quase com 30 anos, num percurso nómada em escolas de norte a sul do país.

Aos alunos ensinava História e Geografia, mas sobretudo vivência para que, como dizia, fossem pessoas e tivessem espírito crítico.

Já aí repartia o tempo com a composição, com a edição dos primeiros discos de fados e baladas de Coimbra e digressões com a Tuna Académica.

Teve uma passagem breve, mas intensa, por Moçambique entre 1964 e 1967, onde deu aulas e fez, como admitiu, o seu baptismo político quando se vivia já a guerra colonial.

Esgotado com o cenário de conflito, José Afonso regressou a Portugal em 1967. Tinha já três filhos e foi colocado como professor em Setúbal.

É em finais dos anos 1960, já em pleno marcelismo, que José Afonso intensifica o trabalho na música e o activismo político. Depois de ter sido expulso do ensino oficial, desdobra-se em gravações e em concertos, muitos deles proibidos pela PIDE, a polícia política que, entretanto, mudara de rótulo, para ser designada Direcção Geral de Segurança (DGS).

Entre 1971 e 1976 assiste ao estertor da ditadura do Estado Novo e à Revolução de Abril. Lança discos como "Cantigas do Maio", "Venham mais cinco", "Coro dos tribunais", ideologicamente conotados, mas que o definem como o trovador entre os cantores portugueses.

"Grândola Vila Morena", a senha do Movimento das Forças Armadas para a Revolução do 25 de Abril (1974), a mudança que José Afonso tanto desejava, inspirou-se numa breve passagem do cantor por aquela localidade alentejana, onde tinha actuado em 1964.

Em 1983, com 54 anos e um longo percurso na música de intervenção e de inspiração tradicional e popular, José Afonso é reintegrado no ensino oficial e destacado para Azeitão, em Setúbal.
Um ano antes tinha-lhe sido diagnosticada esclerose lateral amiotrófica, que lhe foi fatal em 1987.
Morreu a 23 de Fevereiro, em Setúbal.

(Agência Lusa)


No Comboio Descendente
(Fernando Pessoa/José Afonso)

No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendente
Vinham todos à janela
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
No comboio descendente
De Palmela a Portimão